sábado, 29 de dezembro de 2007

Fim de ano

E lá se vai 2007, um ano que me trouxe uma grande alegria - o lançamento do meu primeiro livro - e uma grande preocupação - ELA, uma amante indesejada.

Mas o ano termina com uma linda declamação da Elisa Lucinda do poema que fiz para as minhas filhas, Laura e Elisa: "Papai, como você poesia? ". Entrevistada por Mona Dorf, no programa Letras e Leituras da Rádio Eldorado, no dia 11de dezembro, Elisa, mais uma vez, foi fantástica. Obrigado.

Quem quiser, pode ler e ouvir a entrevista aqui: www.letraseleituras.com.br/entrevistas/?a=elisa_lucinda . Aos que se contentam com a versão escrita (a declamada pela poeta é muito mais bonita), seguem os versos.

Eu poesio, minha filha, pegando
uma folha em branco de caderno
fazendo nas linhas, com a ponta da caneta
um monte de buraquinhos: um, dois, três...
e colocando em cada buraco uma letra
uma letra, uma letra, uma letra de cada vez

Depois eu guardo a folha na gaveta
e fico esperando surgirem as palavras
sem saber se o verso será bom ou ruim
se do "a" surgirá angústia ou alegria
se do "c" brotará cravo ou capim
e fico torcendo, torcendo muito
para que você goste da poesia
como gosta de mim

Desejo a todos um 2008 com muita paz e, para mim, que ELA me deixe em paz.

Beijos, Alessandro

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Excursão

Para garantir a satisfação de nossos clientes
é praxe prestarmos atendimento personalizado
Assim, naquele ônibus seguem os monogâmicos
e neste outro, os libertinos

Aqueles passearão em jardins monoculturais
visitarão galerias de quadros monocromáticos
circularão por monumentos monotônicos
e assistirão a sinfonias monorrítmicas

Terão uma exclusiva guia monolíngüe
participarão de bate-papos monossilábicos
acompanharão palestras monotemáticas
e farão suas compras em lojas monopolistas

Aos outros, tudo será permitido

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Instantâneo

E seu amor, me responda:
pode ir do congelador
pro microondas?

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Escrever é quase dizer, mas muitas vezes o momento não é sincrono, o sentimento a ser exposto no calor da hora já se esvaiu. De todo modo, é melhor do que calar para sempre. É desse calar que trata Fedor, escrito recentemente. Como a letra "o", aquilo que não é dito vai se aprofundando em nosso corpo.

Fedor

Há um cheiro ruim saindo de minha boca
não é mal hálito, é um mau hábito
o péssimo hábito de engolir as palavras
quando deveria colocá-las para fora

É o péssimo hábito de calar

As palavras que não digo apodrecem
e fedem, infectam meu sangue, dão azia
e causam diarréia, apnéia, taquicardia
e amargam o âmago, amarguram

É péssimo o hábito de calar

Trago, aos cinqüenta anos, tantas camadas
de palavras não ditas, desditas, malditas
que já não consigo limpar a fossa do meu corpo
e um silêncio fétido tomou conta de mim

É péssimo hábito o de calar

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Muito obrigado a todos pelos comentários de incentivo. Após o lançamento do "Eu com verso" tenho escrito bastante e, espero, em breve terei material para um novo livro. "Iguais" eu fiz na semana passada e trata da diversidade humana.

Iguais

Se as mulheres são de Vênus e os homens são de Marte
nós, que no espelho nos vemos, somos de qualquer parte

Eu, por exemplo, sou de Saturno, adoro seus anéis reluzentes
enquanto ele vem de Mercúrio, pois é excêntrico e quente

Ela veio da Ursa Maior, com sua caçarola ou concha estelar
e adora, na cauda da Ursa Menor, ver o fogo da Estrela Polar

Aquele lá vem de um buraco negro e atrai todo o tipo de luz
e aquela outra é uma supernova, a que mais brilho produz

E há as nebulosas, as gasosas e as estrelas cadentes
e há os planetóides, os asteróides e os sóis decadentes

Orbitamos pelo universo, atraindo corpos, atraindo gente

gente macho, gente fêmea, gente igual a gente: diferente

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Prefácio que vale o livro

Em março deste ano (2007) fui ao Rio comemorar meu aniversário e decidi, meio na louca, enviar algumas poesias para a atriz e poeta Elisa Lucinda, cujo trabalho poético e de palco admiro muito. Qual não foi a minha surpresa quando, já de volta a Brasília, recebo uma ligação da própria, dizendo-me que gostou muito dos poemas e que toparia escrever o prefácio do meu livro de estréia. Se havia alguma dúvida em publicar, esse foi o empurrão que me atirou à arena. Divido com vocês o maravilhoso prefácio com que Elisa Lucinda me brindou e que abre o "Eu com verso".

O COLECIONADOR DE MEMÓRIAS AFETIVAS

Gosto muito de homens. Gosto de como a sensibilidade lhes cai bem. É bonita a estética do macho. A delicadeza masculina se vale de seu aparente contraste para produzir um efeito deslumbrante no coração de quem a recebe. Se for em forma de poesia, então, essa delicadeza reverbera sem concorrentes. A voz de um homem escrita, refletida, filosofada e emocionada, pertence à categoria luxo. Foi munida desses atributos que a transparente poética de Alessandro Uccello chegou à minha porta. Agradou-me, de cara, o conceito do “Eu com verso”. Não era só um trocadilho; era, sim, o caminho que o autor escolhera para desfilar seu pensamento de estréia na literatura para além do seu quintal. Eis aqui um homem sincero nos ofertando suas conclusões de masculino reflexivo, pensante e sensual. Surpreendeu-me sua graça, sua poesia leve e ao mesmo tempo mordaz. É, mesmo, um poeta filtrando tudo o que vê, seguindo os passos do seu autor no banheiro, na cama, no trabalho, na solidão, no exercício da paternidade, na afetividade geral com o mundo. O resultado é uma feitura poética de muita qualidade. São versos que pulsam e brincam com ritmo, repertório de palavras e doces aliterações.
Alessandro nos toca com a poesia lúcida, que não perde nem o romantismo nem a qualidade da embriaguez. Deliramos com ele; vamos pra cama com ele, testemunhando a ótica da subjetividade do macho, do coração de quem penetra. Como sói acontecer aos que provam dos bons versos, os leitores deste livro hão de provar de muitas descobertas aqui. Há poemas que atingem uma feitura tão rica, tão veterana, um discurso tão bem tecido que aterrissa muito bem o vôo poético desse rapaz. “De coração” é um lindo exemplo:

Teu coração é um casarão de luxo
bem maior do que meu quarto/sala
mas o inquilino é um amor bruxo
que dorme no porão e não fala

Teu coração tem vista para o mar
oito quartos, calefação, varanda
mas o amor pouco ocupa lugar
arrasta as pernas, quase não anda

Abra as portas, pendure quadros nas paredes
arrume a cama, encha os vasos de flor
abra-se

Abra as pernas, derrube todas as paredes
desarrume a cama, encha os olhos de amor
abrace


Alessandro Uccello, com seus versos bem feitos, fortes e delicados, nos reata à candura do divino masculino. Falo divino só pra me referir a um arquétipo do primeiro homem e sua natureza amorosa, natureza de pai que explica em melodia clara, popular e lírica quando a filha pergunta: Papai, como você poesia?
Muitas vezes, a idéia equivocada de que o reino da sensibilidade pertence só ao feminino, faz com que se deixe de ver e de escutar a versão linda, doce e fálica do homem, o macho, o caçador. Essa costura de quem trabalha fora e ao mesmo tempo transita com muita intimidade em um lar, faz com que a gente compreenda, nós mulheres, a nossa dor, a nossa mesma vida pelo ponto de vista do outro. Ele consegue isso muito bem em “Pobrezim”:

Cheguei em casa amarrotado
arrotando as palavras e o vinho
com que você me abarrotou o ouvido
e arrebentou o futuro

Tirei a roupa e deitei no chão
sofrendo no escuro, com pena de mim
chorando como um homem de quarenta
que há vinte anos vive assim
de fim em fim
pobrezim

No outro dia acordei vazio
esqueci você, o vinho, o vizinho
saí, bebi, arrumei outro amor eterno
nem melhor, nem pior: igualzim


Bem, chega. A citação de poemas em apresentações rouba a surpresa preparada para os leitores. Além de que, pode parecer que os poemas citados neste texto sejam superiores aos outros. Não é nada disso, mesmo porque não entendo nada de poemas superiores ou inferiores. Isto não é fixo, está exposto ao tempo e a outros quesitos variantes. Sou apenas uma leitora que também escreve, que adora poesia e beija a poesia que agrada ao seu coração, e que leu esses originais até o fim numa só tarde e ficou louca pra escrever este prefácio, escrito sem esforço, com prazer, embora tão adiado nos seus mutantes prazos.
Nada mais tenho a dizer. Sei que é bem vinda, à minha casa, a poesia nova e veterana desse moço. É bom que homens escrevam abrindo o coração. A humanidade é curiosa para escutá-lo, novo homem. “Eu com verso” conversa mesmo, e, como um bom papo, diz a que veio com começo meio e fim. Que será dessa poesia quando ela amadurecer, se, verde, já está boa assim?

P.S.: Pedi ao autor alguns dados sobre ele, já que não somos amigos e eu não o conhecia. Ele fez um auto-retrato como o mais comum dos homens. Pois mora aí sua sofisticação.


Lisboa, verão ventoso, 18 de julho de 2007.

Elisa Lucinda